segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A Estação dos Aviões Subterrâneos

Pra chegar seja lá onde fosse preciso chegar, mas com pressa, os ônibus de toda a parte saíam exatamente às 17:30, mas somente quando o dia estava cinza, feio, e chovendo uma chuva rala e fria. Por isso, na via dos ônibus, as ruas estavam sempre molhadas e cheias de lodo como se ninguém se importasse com os cuidados. Eram ruas de paralelepípedo, mas cheias de lama nas enxurradas. Porque os ônibus só saíam sabe-se lá de onde e só quando estava chovendo e nublado desta maneira, eu não sei. Mas eu sei que eu peguei um. Porque precisava ir!

Passamos, o ônibus estava realmente lotado, e eu me identifiquei com rostos familiares, alguns colegas de escola, outros do dia a dia, e uns seres orelhudos, cor de terra e baixinhos, usando roupas rasgadas, que agora que me recordo nunca havia os visto na vida, mas no momento me pareciam bastante conhecidos.

Por entre as casas que passamos, eu notei que todas pareciam abandonadas e mal-cuidadas, como se os habitantes delas não se preocupassem com estética, somente com a necessidade de ter um lugar pra se abrigar dos terremotos e da incessante chuva que transformava aquilo tudo num lamaçal fedorento.

Sei que cada um dentro do ônibus deveria ter sua história e seus motivos, e por isso estavam ali, mas se tivéssemos algo em comum, era a expressão de pessoas atônitas. Provavelmente, assim como eu, ninguém ali sabia como havia parado ali, porque estava ali, viajando naquele ônibus, no meio de uma chuva num lugar horrível e desconfortável, e menos ainda pra onde estava indo, mas a certeza era uma: precisávamos ir.

Após umas quadras, talvez cinco ou seis, passamos em frente a um bar de luzes acessas. Aliás, tudo estava de luzes acessas. O lugar acendia as luzes às 15:00, porque a essa hora já estava escuro. No bar, uma única pessoa estava de cabeça baixa com um copo na frente. Não parecia haver balconistas; senti-me dentro do bar quando passamos em frente a ele. Parece que eu havia saído de mim mesmo, passeado lá por dentro, e voltado ao ônibus. Após essas quadras, disse ao motorista voltar (Para onde? Não me lembro!), porque eu havia esquecido minha mala. O gentil e INEXISTENTE motorista acatou meu pedido, e voltamos. Quando saí do ônibus, lá estava minha mala. Na calçada, embaixo da chuva. Pronto, agora iremos.

Chegamos, enfim, à estação dos Aviões Subterrâneos. Se estiver com pressa e precisa chegar a algum lugar que os ônibus da chuva não te levam, os Aviões Subterrâneos com certeza o levará.

A estação parecia um grande shopping de madrugada, onde pessoas estranhas de sobretudo com golas enormes ficavam perambulando pelas lojas de luzes apagadas. Havia duas escadas rolantes que levavam à ponte de embarque e desembarque.

Quando saí do ônibus, comecei a procurar meu passaporte-mapa (todo passaporte que se preze vem acoplado a um mapa gigantesco do lugar, quase do tamanho de um lençol, mas que não é muito útil porque estava sempre molhado e se rasgava todo). Mas quando o ônibus já havia ido embora, notei que havia esquecido minha mala lá. Corri inúmeros quarteirões atrás do ônibus, mas as ruas não me deixavam alcança-lo: elas subiam e se retorciam de modo que eu escorregava de volta o percurso que eu tentava fazer...

Fiquei sem bagagem. Oh Deus, o que farei sem bagagem? Sem ela não sou nada (seja lá o que havia dentro dela). Mas a fila estava grande, eu precisava continuar.

O alfandegário, um cara alto e muito forte, de cabelo comprido e óculos escuros, usando um quepe de polícia azul e uniforme preto me parou e pediu o passaporte mapa. Virou, revirou e disse que meu passaporte era ilegal, mas ele poderia dar um jeito. Eu só ficava gritando “Rápido, pelo amor de Deus vai rápido!”. As garotas que eu havia conhecido no ônibus já haviam embarcado. Aliás, todos já haviam embarcado. Mas não tinha como ver o avião, porque ele era subterrâneo. Quando finalmente conseguiram liberar minha passagem, uma música inquietante começou a tocar sem parar, e eu não sabia de onde vinha (agora que eu ouvi várias parecidas, lembrei que se tratava da Flammenmeer do L’ame Immortelle).

O guarda me disse “As meninas estão te esperando, você não vai?”. Sim, é claro! As meninas! Como eu pude esquecê-las (seja lá quem fossem)? “Os aviões desembarcam agora, se você correr ainda pega um... siga o monotrilho do trem até o fim, você vai chegar onde todos estão.”. Era realmente um monotrilho! Só havia um trilho e eu me perguntava como um trem passaria por ali. Fui seguindo, enquanto o sol se recusava a sair detrás das nuvens (que corriam como se a Terra girasse tanto que o dia teria apenas 8 horas. Era nauseante olhar pro céu). O trilho desapareceu dentro de um monte de terra e capim, que se seguia em curvas pra cima. Tinha tantos pinheiros que não dava pra ver o final, mas a chuva havia formado um rego de água que descia como uma enxurrada lamacenta morro abaixo. No caminho, muitos moirões e arames farpados que tive que pular, e muitas porteiras também (num morro como aquele, pra que serviam porteiras? Era claro que não era feito nem pra pessoas passarem por ali, pois não tinha estrada e eu tinha que escalar aquilo tudo... será que todos que iam atrás do avião subterrâneo passaram pelo que passei?). Quando cheguei ao topo, vi que o chão era pavimentado e as casas eram como pedras talhadas. Um povo de anõezinhos negros estava perambulando naquela pequena cidadezinha de estilo asteca, usando argolas douradas nos pulsos e roupas extravagantes e brilhantes. Pareciam os pigmeus africanos.

Lá em cima o sol brilhava e não chovia. Mas quando olhei pra baixo, não vi absolutamente nada além de um vale extenso: nem sinal do lugar onde ficavam os ônibus de chuva, nem a estação de aviões subterrâneos. E a música persistia infinitas vezes (Ainda era a maldita Flammenmeer...).

Quando consegui contato com um dos moradores, descobri que em uma das casas havia uma caixa mágica, onde um conhecido meu estaria preso. Quando cheguei a casa, ouvi alguém dizer que eram precisos vários atos místicos pra abrir a caixa, mas eu apenas dei um chute e ela caiu no chão. Antes de se abrir, ela se agitava loucamente, como se alguém lá dentro quisesse desesperadamente sair de lá. Mas quando se abriu, não tinha nada. “EBILGOL!”, eu gritei (tenho certeza de que foi isso, mas não sei o que é!). “Ebilgol, seu maldito servo invisível, volte a ser visível agora mesmo! Senão iremos perder o Avião Subterrâneo!”. Sinteticamente, foi isso que eu disse, logo antes de uma criatura cor de terra esverdeada com olhos apertados aparecer na minha frente, e sair correndo. “Você não vai fugir de mim, seu desgraçado!”. Mas não havia como alcança-lo a pé.

A solução foi me utilizar de minha serva, Lessea. Uma folha de Comigo Ninguém Pode gigante possuída por um espírito que voava. Ela, teoricamente, poderia me levar onde fosse (ENTÃO PORQUE DIABOS EU ESTAVA PROCURANDO O AVIÃO SUBTERRÂNEO?). Montei em Lessea e desci o vale até onde eu achava que Ebilgol estava (que nome idiota...). Mas não achei ninguém a não ser uma rua sem saída que terminava em uma parede imensa. Pedi a Lessea para subirmos pela parede e continuarmos a procurá-lo, mas Lessea dizia que não dava e que ela estava muito cansada. Decidi então eu mesmo escalar a parede e levar a folha nas costas. Quando chegamos ao topo, notei que ali a rua continuava (E se passassem carros ali? Eles teriam que... cair pela parede?) até uma avenida extensa, mas sem casas, só lotes vagos. Quando cheguei lá em cima, a folha estava morta. Marrom e enrugada. Lembro-me que chorei muito quando notei que ela havia morrido, mas como se um parente meu tivesse morrido ali. Quando eu vi, havia uma porta em um dos terrenos desocupados. Uma luz muito forte (de cegar, mesmo) saiu da porta e veio na minha direção. “Eu, Lessea, fui libertada da folha gigante de Comigo Ninguém Pode graças ao seu esforço. Agora, para continuar prestando serviços de vôo, preciso encarnar em outro objeto qualquer, senão serei inútil. Livre, mas inútil. Mas ainda sim estou disposta a servi-lo!”.

A esta altura, a maldita Flammenmeer já havia parado de tocar na minha cabeça, e eu estava sorrindo, sentado no chão. Quando a luz começou a tomar forma de corpo, vi que era uma garota muito bonita, mas não me lembro quem, porque nesse exato minuto... Eu acordei.

Um comentário:

Anônimo disse...

Queria saber onde foi parar o Ebilgol ^-^'