quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A CASA - O Mestre, Ato I

O Escritor emergiu da floresta enfastiado pelas picadas dos borrachudos, direto para uma imensa clareira.
No meio dela, cercas de bambu formavam uma trincheira malfeita. À frente, um Arco idêntico ao que ele passara quando o Guarda abriu a trilha. E nele pendia uma única placa de madeira, onde lia-se talhada "A CASA".
Não era uma Casa, nem qualquer casa. Era A Casa, definida como o artigo que a definia. "Pra se definir algo" - pensou o Escritor - "há de haver peculiaridades".
E o Escritor precisava de peculiaridades, precisava de valores.
E precisava de um lugar para tomar um bom banho.

O Escritor chegou à porta frontal.
Do lado da porta, uma tabuleta escrita à giz: "DIÁRIAS, 6 PENCES. SERVIMOS REFEIÇÕES, 1 PENCE CADA, INCLUSO NA DIÁRIA. TEMOS VAGAS. FALAR COM O MESTRE."
_ É um título bastante arrogante pra dar à si mesmo, Mestre... - e bateu à porta.
_ Pois não? - atendeu um homem careca, corpulento e enorme, vestido em um robe de seda roxo e usando pantufas que pareciam ter sido retiradas do fundo de um pântano.
_ Ahn... eu queria saber se vocês têm quarto para pernoitar.
_ Ah, agora sim! Temos.
"Agora sim?" - pensou.
_ Eu... poderia ver?
_ Hm...
O Mestre o observou da cabeça aos pés, em silêncio.
_ Quem dita as regras aqui dentro sou eu. Isso fica claro?
_ Sem problemas, a estalagem é sua não...
_ Entra. - Interrompeu o Mestre, puxando o Escritor para dentro.
_ Obrigado. Escuta, aquele guarda na entrada do matagale, ele é seu...
_ Que horas são? - Interrompeu novamente o Mestre, entrando atrás do balcão de atendimento.
_ Nove e vinte e dois!
_ Certo...É o número 47, você faz a cama de manhã, não temos camareira, café às 8, almoço às 2, lanche as seis, não servimos jantar. Bom dia.
E jogou uma chave dourada, amarrada em um pé de coelho, sobre o balcão.
_ Oh, ok. Obrigado, boa tarde.
_ Ah, e em hipótese alguma - frisou - NUNCA role na cama por mais de três vezes, estou farto disso.
_ O quê?
_ Na cama! - Pousou a mão no ar, simulando um colchão de mola - Não role nela mais que três vezes, enquanto estiver dormindo.
_ Porque?
_ Porque está quebrada.
_ Tá, vou lembrar...


Um estranho sonho povoava sua mente, quando foi interrompido por um baque e uma dor no ombro esquerdo. Estava caído no chão.
_ Mas que... onde está...
A cama jazia imóvel, do outro lado do quarto.
Sem entender, o Escritor ficou de pé e foi até o quarto do Mestre.
Bateu três vezes, de leve. Sem resposta.
Mais três vezes.
_ O QUÊ? - Respondeu gritando, de cara amarrada.
_ Senhor, creio que alguém entrou no meu quarto enquanto eu dormia, os móveis estão fora de lugar...
De súbito, o Mestre enfiou a pesada mão peluda no peito do Escritor e o ergueu do chão pelo colarinho do pijama, enfurecido.
_ QUEM É VOCÊ? COMO ENTROU AQUI?
_ M.. Mestre?! Eu não estou entend...
_ RESPONDA, QUEM É VOCÊ?! - cuspia, enquanto rosnava na cara do Escritor.
_ Sr. Mestre, sou eu! O Escritor! Fiz check-in hoje de manhã!
_ Hoje?! Não atendi ninguém hoje!
_ Como não? Me perguntou que horas eram, eu respondi "Nove e vinte e dois", me deu a chave do...
_ Por que eu perguntaria que horas... aah, você rolou na cama... - completou, decepcionado.
Enquanto amenizava a expressão, colocava o Escritor de volta no chão.
_ Eu não estou entendendo!
_ Você rolou na cama, mais de três vezes! Eu avisei pra não fazer isso!
_ O que você quer dizer com isso?
_ O que eu disse, você é surdo? Com certeza eu deixei claro - falou, cuspindo - que EU ponho as regras aqui dentro! Eu sou o Sistema desse lugar, e se você quiser passar a noite ou descansar ou seja lá o que você veio fazer aqui, as leis sou eu quem dita!!!
_ Veja, eu acho que a grosseria é completamente desneces...
_ Você rolou na cama, sim ou não?! - Interrompeu o Mestre, com a mão espalmada na frente do rosto do Escritor.
_ Eu não sei quantas vezes rolei na cama, provavelmente devo ter rolado dúzias, não fico a vontade na primeira noite em...
_ Vá embora daqui.
A enorme mão do Mestre envolveu completamente o pulso do Escritor, e ele começou a arrastá-lo pelo corredor de madeira, descendo as escadas aos tropeços.
_ O que? Mas tem alguém...
_ Não, vá embora da Casa. Vá lá pra fora, durma lá, pode levar um colchão e cobertas. Não posso aceitar você hoje.
_ Espera, eu...
Mas ele já havia aberto a porta e colocado o Escritor sobre a soleira de entrada.
_ Não tenho tempo, só vá. A diária não será cobrada. Anda, anda! - Foi empurrando o Escritor para fora, pela porta frontal.
_ Isso é um absurdo!
_ Boa noite! - Bateu a porta, e a trancou.
O Escritor, indignado, estica o colchão na soleira e pernoita no sereno, diante da porta.
Ao nascer do dia, ele fica de pé e bate à porta frontal.
_ Pois não?
_ Isso é uma ofensa! Não espere que eu pague por qualquer serviço que você venha a me oferecer! Vocês não tem respeito pelo cliente?!
_ Ah, agora sim! Temos.
"Agora sim?" - pensou.
_ Eu... o quê?
_ Hm...
Silêncio.
_ Quem dita as regras aqui dentro sou eu. Isso fica claro?
_ Eu não dou a MÍNIMA para o seu maldito Sistema!!! Esse ultraje não pode ser
_ Entra. - E puxou ele para dentro, batendo a porta atrás.
_ Eu não terminei! - disse, ajeitando os óculos, enquanto entrava, e o Mestre contornava o balcão.
_ Que horas são?
_ Não sei as horas! - olhou no pulso - Nove e vinte e dois...
_ Certo...É o número 47, você faz a cama de manhã, não temos camareira, café às 8, almoço às 2, lanche as seis, não servimos jantar. Bom dia.
_ Eu sei qual é o quarto, meu senhor! Eu estava nele ontem a noite!
_ Não, você não estava.
_ SIM, EU ESTAVA!
_ NÃO, VOCÊ NÃO ESTAVA! Era pra você estar, mas você não estava. Acontece muito com que "dá a minima ao meu maldito Sistema" - disse caçoando, imitando terrivelmente mal a voz do Escritor - Mas tudo bem, você vai estar agora, apenas suba.
_ Isso é intolerável. Simplesmente INTOLERÁVEL!
O Escritor subiu, inconformado com o comportamento cínico do Mestre.
_ E em hipótese alguma - frisou - NUNCA role na cama por mais de três vezes!
Com o rosto completamente atordoado, o Escritor bateu a porta.
_ Ela está quebrada... maldito Mágico.

Fez-se silêncio o resto daquela tarde, até a hora do almoço, quando o Escritor conheceria LeRoy e A Banda Itinerante.

[PRÓXIMO ATO - A BANDA ITINERANTE]

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